Estudo sobre os cartazes da campanha para as eleições autárquicas de 2021

Os cartazes continuam a desempenhar uma importante função nas eleições autárquicas, entre outras causas, certamente por acentuarem o sentimento de presença junto dos demais concidadãos. De facto, deste modo, os candidatos atingem os eleitores que menos frequentam as redes sociais e suprem o relativo vazio da televisão que, de uma forma geral, lhes dá uma menor cobertura, ressalvados os grandes centros urbanos. Atenuado o papel dos meios de comunicação social, os outdoors reforçam o seu objetivo central de atrair os potenciais votantes através das suas mensagens, nomeadamente verbais e imagéticas em que se procura despertar as vertentes racionais e emotivas dos seus destinatários.

Neste contexto e porque estamos no âmbito do marketing político que, em princípio, tem de desenvolver uma estratégia de comunicação eficaz durante um período de tempo relativamente curto, as frases deverão ser à partida incisivas e as imagens graficamente atraentes para o que, por exemplo, a postura e atitude corporais são importantes. Decisivo será que, no seu conjunto, as mensagens sejam convincentes em termos de configuração de alternativas que respondam às ansiedades e expectativas das respetivas comunidades. Trata-se da relevância combinada da forma e do conteúdo das mensagens, o que nem sempre acontece como seria de esperar.

Acresce o fator ideológico e o papel da militância, embora aqui menos importantes do que noutras eleições, especialmente nas legislativas, havendo inclusive candidaturas independentes em que a figura do candidato que assume a liderança constitui explicitamente o polo de atração e de definição identitária do movimento que inspira e que em seu torno se estrutura. Mas, na verdade, na maioria das candidaturas, partidárias ou independentes, há normalmente uma aposta primeira na personalidade dos candidatos. Neste contexto, as campanhas centradas assumidamente em candidatos independentes ou formalmente em partidos tendem a ser pessoais na sua expressão publicitária. São por isso prevalecentes nestas campanhas as dinâmicas locais, ainda que em abstrato, e os perfis pessoais dos próprios candidatos.

Procedendo-se a uma análise dos outdoors desta campanha podemos destacar, com base numa amostra nacional considerada significativa, algumas conclusões e observações que se considera serem relevantes: - As cores partidárias não constituem na maioria dos cartazes um elemento diferenciador. O verde é utilizado, por exemplo, em muitos dos cartazes do Partido Socialista, por exemplo, em Odemira (imagem 1), em Penafiel (imagem 2) e em Resende (imagem 3) e o azul em Baião (imagem 4), em Óbidos (imagem 5) e no Porto (imagem 6).

Cartaz - PS - Odemira
(Imagem 1)

Cartaz - PS - Penafiel
(Imagem 2)

Cartaz - PS - Resende
(Imagem 3)

PS - Baião
(Imagem 4)

Cartaz - PS - Óbidos
(Imagem 5)


(Imagem 6)

O Bloco de Esquerda parece ser a força que usa de forma mais corrente a sua cor, o vermelho, designadamente em Santa Maria da Feira (imagem 7), em Vila Franca de Xira (imagem 8) e no Barreiro (imagem 9). A CDU utiliza o branco em Moura (imagem 10), e o azul em Vila do Bispo (imagem 11). O PSD aparece com a sua cor laranja em Sines (imagem 12) mas já em Odivelas (imagem 13) e em Lisboa com um fundo azul (imagem 14). A propósito do jogo das cores é particularmente interessante que a candidatura PSD à Câmara do Seixal mobilize o laranja contra o vermelho da presidência CDU da autarquia do Seixal. Para o efeito, impõe, com recurso à linguagem futebolística, a ambiguidade de se apresentar como sendo o único “cartão vermelho” precisamente contra o vermelho para proclamar que “Só o laranja é o cartão vermelho ao socialismo” (imagem 15).


(Imagem 7)


(Imagem 8)


(Imagem 9)



(Imagem 10)


(Imagem 11)


(Imagem 12)


(Imagem 13)


(Imagem 14)


(Imagem 15)

- No que respeita a posturas corporais, verifica-se uma grande diversidade com predominância das posições frontais passivas em que o candidato, frequentemente com os braços caídos, cruzados ou até mãos apertadas, não assume os gestos mais comuns de liderança. No âmbito dos primeiros casos estão Rui Moreira no Porto (imagem 16), Paulo Gonçalves de Óbidos (imagem 5), Álvaro Azedo de Moura (imagem 17), Maria Mirradinho, Eunice Quitério e Manuel Batista em Vale do Paraíso (imagem 18), Vânia Ferreira da Praia da Vitória (imagem 19) e Ana Rita Boto de Porches no Algarve (imagem 20). Entretanto, Paulo Gonçalves constitui também um bom exemplo de um candidato que aposta em posturas diversas aparecendo ora descontraidamente sentado na qualidade de treinador, ora com uma atitude mais contida enquanto membro de uma família socialmente relevante.


(Imagem 16)


(Imagem 17)


(Imagem 18)


(Imagem 19)


(Imagem 20)

Carlos Moedas, em Lisboa (imagem 14), surge com os braços cruzados num contraste muito curioso com Fernando Medina que, graficamente sobre um cartaz em que não se perceciona uma atitude interventiva, surge com o braço direito levantado e a mão aberta, saudando todos os que o olham (imagem 20). Carlos Alves, candidato do PSD/CDS à Câmara Municipal de Santo Tirso aparece num dos seus cartazes com os braços cruzados (imagem 21). Posturas mais inesperadas mas com a pretensão de transmitirem mensagens implícitas nos respetivos gestos estão a de Bruno Horta Soares, candidato da Iniciativa Liberal a Câmara Municipal de Lisboa que, com a mão sobre a testa, evidencia um sentimento de saturação e uma inerente proposta alternativa relativamente às práticas e promessas dos seus rivais (imagem 22) e a de Alexandre Poço em Oeiras. Este último, deitado de lado mas com uma pose descontraída, aposta na imagem de um candidato jovem, liberto dos referenciais tradicionais (imagem 23).


(Imagem 21)


(Imagem 22)


(Imagem 23)


(Imagem 24)

 

A forma como os candidatos se apresentam vestidos não é certamente casual, correspondendo antes a imagens mais clássicas ou mais inovadoras com que se pretendem afirmar em função daqueles que serão os paradigmas que defendem ou que percecionam como dominantes nos votantes da comunidade no que se reporta ao perfil dos detentores do poder autárquico. O caso de Alexandre Poço, antes referido, é particularmente interessante quanto a este aspeto na medida em que, sem prejuízo da sua postura claramente invulgar nestas situações, aparece vestido de modo clássico com um fato e em que apenas o colarinho da camisa desapertado deixa perceber a coerência do seu comportamento algo disruptivo. Rui Moreira, no Porto (imagem 16), de camisa mas com gravata, concilia subtilmente a imagem mais informal com a mais clássica.

Há candidatos que optam por surgir com um sorriso aberto como é o caso de Vladimiro Feliz no Porto (imagem 25), de Beatriz Gomes Dias em Lisboa (imagem 26) e de Idalete Brito em Ourique (imagem 27), enquanto outros, como Salvador Malheiro em Ovar (imagem 28) e Daniel Bernardino e Francisco Alves no Barreiro (imagem 29), apresentam expressões contidas e até sisudas. Outros candidatos ainda apresentam-se com uma expressão intermédia, também contida mas ligeiramente sorridente como são os casos de Miguel Alves em Caminha (imagem 30) bem como da sua concorrente Liliana Silva (imagem 31). Trata-se certamente de posturas visuais diferentes que procuram exprimir, de uma forma combinada ou alternativa, a simpatia do candidato e a sobriedade do presidente.


(Imagem 25)


(Imagem 26)


(Imagem 27)


(Imagem 28)


(Imagem 29)


(Imagem 30)


(Imagem 31)

Quando ponderamos os aspetos – pessoais e institucionais - a que é dada aparente ou expressamente a prioridade, torna-se particularmente interessante ler os slogans que realçam as mensagens dos cartazes, desde Paulo Gonçalves que lembra ser “o marido da Lara” até aos candidatos do PSD, CDS e PPM a Vale do Paraíso que apregoam ser “gente séria e capaz”. Fenómeno curioso é o de a esmagadora maioria das palavras de ordem não se reportarem a problemáticas, tais como as questões climáticas, a digitalização da sociedade e as migrações, que ocupam sobremaneira as agendas nacionais e universais. São em larga medida privilegiadas mensagens como “a gente da nossa terra”, o “caminho para o sucesso”, “a força necessária”, “dá força a quem te dá voz”, o amor pela terra, a importância da imaginação, a esperança, “sempre com as pessoas”, “gente que faz”, “nós vamos fazer”, “muito já feito, muito mais a fazer”, “a seriedade e a confiança do costume”, “seguimos juntos”, etc., mensagens estas em que se promete uma continuidade ativa, a partir de um presente implícita ou explicitamente enaltecido pelos candidatos à reeleição, ou em contraste com este mesmo presente quando se trata de candidatos da oposição.

Alguns slogans introduzem uma equivocidade de sentido que não deixa de provocar, no mínimo, perplexidade como é o caso do cartaz da candidata do PSD á presidência da junta de freguesia de Matanças, em Fornos de Algodres (imagem 32).

 

No caso do Porto é curioso o jogo das palavras de ordem em torno da referência à cidade, entre alguns dos candidatos à partida mais bem posicionados: Tiago Ribeiro do PS anuncia que “O Porto quer mais, nós vamos fazer!”, Vladimiro Feliz promete “Ver o Porto com outros olhos”, enquanto Rui Moreira, candidato independente e atual presidente afirma pura e simplesmente que “Aqui há Porto.”, identificando-se deste modo plenamente com a própria cidade.

Elementos mais concretos aparecem algumas vezes a propósito do rigor nas contas, do IMI ou do emprego. Contudo, de uma forma geral, as mensagens escritas dos cartazes não viveriam em termos da sua vinculação, fora dos outdoors em que aparecem desde logo porque são do senso-comum e porque, como já vimos, não traduzem questões concretas das comunidades a que se dirigem.

 

Conclusões

  1. Os cartazes repetem os recursos e estratégias de eleições autárquicas anteriores, nomeadamente com o propósito de afirmação das pessoas dos candidatos junto dos eleitores. Conta-se naturalmente muitas vezes com um conhecimento anterior de serviços prestados pelos candidatos enquanto profissionais ou protagonistas de atividades sociais ou políticas com impacto, ainda que não necessariamente explicitadas.
  2. Os candidatos que exercem já funções autárquicas tendem a acentuar nas suas mensagens escritas a importância da continuidade, sem prejuízo de evitarem que a identifiquem com uma pura e simples repetição do mandato anterior, o que permitiria dar espaço às críticas dos opositores e favorecer as reservas críticas dos seus eleitores potenciais.
  3.  As expressões faciais revelam em larga medida as personalidades dos candidatos. Partindo-se do princípio que estas expressões são estrategicamente estudadas, é interessante, num tal registo, perscrutar os perfis que são considerados como os mais adequados, desde a seriedade associada ao ar sisudo até ao à-vontade e simpatia que um sorriso mais ou menos aberto desperta.
  4. O vestuário continua a sinalizar a identidade dos candidatos. Daí uns optarem por se apresentarem com acessórios como a gravata e o casaco, enquanto outros se apresentam apenas com camisa ou um vestido simples, no caso das mulheres. Trata-se de opções de facto com importância para quem pretende ascender ou permanecer no topo da hierarquia comunitária e que certamente se conjugam com os seus procedimentos anteriores.
  5. Sem prejuízo de se reconhecer a importância da dimensão pessoal e social dos candidatos, há que aceitar também que esta dimensão assume importância diversa nos grandes centros urbanos onde a vertente estritamente política detém uma carga maior como pressuposto. Todavia, este pressuposto é explorado mais nos debates políticos e nos meios sociais a que estes candidatos têm acesso ou onde são visados do que nos outdoors, em que poderia mesmo gerar desconfiança nos eleitores menos politizados.
  6. As mensagens escritas são frequentemente repetidas no essencial nas várias candidaturas, revelando, com frequência também, uma pobreza em termos dos seus conteúdos efetivos, sendo por veze mesmo inexistentes. Se se retirar os nomes dos territórios em que emergem, quando estes são discursivamente mobilizados, na sua grande maioria não seria possível identificar a sua real conexão geográfica e comunitária. O mesmo, aliás, se passa com a sua relação com as prioridades programáticas dos candidatos, inclusive porque estas estão normalmente pura e simplesmente omissas.
  7. Talvez por haver receio de serem interpretadas como posturas agressivas ou indexadas a comportamentos próprios de comícios, muito raramente as mãos e os braços dos candidatos se erguem como, apesar de tudo, seria também de esperar em protagonistas em que a liderança é essencial no âmbito das suas funções. Mas é igualmente importante admitir aqui a natureza diferente do exercício autárquico em relação ao desempenho nomeadamente da ação política dos deputados, indexado que está aquele aos problemas diretos das comunidades.
  8. Não é patente uma diferenciação entre as mensagens e estratégias das candidatas e dos candidatos do género masculino, a requerer uma reflexão aprofundada. Será que não haverá uma razão válida que possa sustentar essa possível diferenciação ou prevalece, sem mais, um modelo propagandístico de pendor masculino?
  9. É curioso que comparecendo os líderes políticos nacionais em muitas das entrevistas e em sessões eleitorais autárquicas, se constate a sua ausência nos cartazes das eleições autárquicas.
  10. É evidente, em muitas das candidaturas, a ausência ou pelo menos a fragilidade de equipas especializadas em marketing político que organizem a sua promoção, o que lhes retira capacidade comunicativa, inferiorizando-as relativamente a outras concorrentes politicamente mais sustentadas. Não deixam assim de preservar uma maior autenticidade mas que pode igualmente comprometer o impacto que naturalmente inspira a intenção da sua apresentação pública.

 

Porto e ISCET, aos 30 de agosto de 2021

Adalberto Dias de Carvalho Diretor